Prefácio
Alexsandra Manoel Garcia
Advogada especialista em Direito de Família e Violência Contra Mulher
Quando fui convidada para fazer este prefácio, pensei logo que Deus queria mais uma vez me mostrar que a minha história de mulher vítima de violência doméstica deveria alcançar mais e mais mulheres que já vivenciaram ou que vivenciam essa situação tão enraizada em nossa sociedade.
As informações trazidas neste livro servirão para ampliar o grau de conhecimento prático do que é a Violência contra mulher, suas formas e como podem ser evitadas, e principalmente combatida, é lamentável que ainda temos que falar disso.
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Muitos tratam da situação em que a mulher é vítima de violência, como um caso isolado, e se esquecem que toda e qualquer violência tem reflexo na sociedade, em pleno 2019, com 13 anos da Lei Maria da Penha, e com a alteração do Código Penal (art.121 do Decreto Lei nº 2.848/40), incluindo o feminicídio, como uma modalidade de homicídio qualificado, entrando no rol dos crimes hediondos, repito, ainda assim, é preciso falar do combate a violência contra a mulher.
Se não fui a primeira mulher, fui uma das primeiras da cidade de Indaiatuba, logo após a promulgação da Lei Maria da Penha, em agosto de 2006, a obter uma medida protetiva, em razão das reiteradas agressões físicas, morais, patrimoniais e psicológicas que sofri em quase sete anos, todas proferidas pelo ex-marido.
A coragem para então denunciar só aconteceu no final dos quase sete anos, após pedir o divórcio e sofrer, na minha concepção uma tentativa de homicídio, uma vez que ele jogou para a fora do carro em plena estrada vicinal.
Mesmo após a medida protetiva e o divórcio, ele ainda me perseguiu psicologicamente por mais dois anos, inclusive praticou reiteradamente violência psicológica contra a minha filha, pois nas visitas dizia a ela que iria me matar, e quando passei para um novo relacionamento passou a dizer que iria matar meu então namorado, hoje marido, e me matar. Detalhe minha filha tinha apenas 8 anos de idade na época.
Essa é uma outra agressão que as pessoas evitam falar, a violência contra os filhos, a agressão doméstica não fica apenas naquela mulher vítima de seus maridos, atingem diretamente os filhos, em uma violência psicológica, pois as crianças muitas das vezes ficam oprimidas dentro da situação, ou quando não são essas crianças quem socorrem suas mães, muitas das vezes entram na frente para proteger e evitar que elas sejam então agredidas.
Atribui-o que só não fui morta, pois a minha filha sempre entrou na frente do pai, ora para retirar ele de cima de mim, ora para evitar que fosse agredida, em certa vez depois de ser agredida logo pela manhã escovando os dentes, ele me deu um chute no rosto, e que levou meu nariz a sangrar demasiadamente, minha filha então com cinco anos, me disse “mãe, não está na hora de você trocar de pai”, essa foi umas das frases mais impactantes que ouvi na vida, até minha filha não aguentava mais aquela situação.
Ao relatar que queria ajuda para me separar, ouvi da minha família e de pessoas próximas, diversas frases, mas que advém de uma sociedade conservadora e de cunho machista, como por exemplo: “ruim com ele, pior sem ele” , “quem vai te querer com uma filha”, “você irá denunciar o pai dos filhos”, “mulher que vai na delegacia, é mulher rampeira”, entre outras.
Mas essas frases não são só ouvidas por parentes e pessoas próximas, mas é ouvida dentro das delegacias especializadas e advinda de outras mulheres que deveriam acolher a mulher vítima de violência, quantas foram os casos que atendi como advogada, que desistiram de formalizarem a denúncia por ficarem horas esperando para a realização de um simples Boletim de Ocorrência, ou por ouvirem “você sabe que não vai dar nada, né?”!!!
É preciso humanizar o atendimento, e preciso educar a sociedade, é preciso falar incansavelmente do assunto, pois a sociedade ainda tem um longo caminho para tratar a igualdade de gênero, para se principalmente educar em relação ao combate a violência contra a mulher, este livro traz um olhar para essa educação. A educação da informação, dos casos reais, é preciso nunca parar de falar sobre.
Como mulher vítima de violência doméstica, cristã, advogada, mãe, professora, esposa, filha, irmã, neta, sobrinha, tenho a honra e o privilégio de fazer parte dessa história deste livro, e esta construção edificada atenda e alcance milhares de pessoas, levando a informação necessária e o acalento que se espera do seu próximo.
O Livro é esclarecedor, rico em detalhes do que é a realidade da violência contra a mulher, de forma didática traduz o que ainda alguns acreditam ser uma fantasia exacerbada da mulher que relata ser vítima de violência.
O livro é escrito por um homem, sem cunho feminista ou sexista, é escrito por alguém que se sensibilizou com o tema e quis entender o outro lado da face da violência.
Estigmatizar o tabu da violência só concorre com a sua proliferação, o livro abre a possibilidade de ampliar a visão através das informações contidas nele, o caráter psicológico trazido também contribuiu para que enxerguemos diferente a mulher que não aceita realizar a denúncia.
Não é fácil sair do ciclo da violência, a sociedade impõe a mulher um encargo pesado, a leitura apresenta possibilidade de quebra desse ciclo.
Em que pese à violência estar registrada com o maior índice contra mulheres, poderá ver na leitura que crianças e até mesmo os homens sofrem com recorrentes práticas de abusos, sejam eles físicos e na sua maioria psicológicos, que é a violência silenciosa e creu.
Esse livro, que eu acredito ser na verdade um manual poderá contribuir para esclarecer pessoas envolvidas com o tema Violência, e ou principalmente pessoas que são ou que foram vítimas de Violência e precisam de ajuda para poder sair dessa situação.
Quero unir a minha voz à todas as mulheres que já foram e são vítimas de violência, que tiveram seus sonhos despedaçados igual eu tive, e dizer que a maior conquista que tive foi ser curada por Deus das feridas deixadas pela violência, e com a minha fé e amor de Jesus, acreditei que conseguiria ajudar outras pessoas na mesma situação de vulnerabilidade que um dia eu já tive.
E completar dizendo que me lembro dos dias que orei pelas coisas que tenho hoje.
Alexsandra Manoel Garcia
Advogada especialista em Direito de Família e Violência Contra Mulher